PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL

 

José Antunes

Assessor Fiscal da ANP

A procuração é um negócio jurídico através do qual o representado (dominus) atribui a outrem poderes representativos. Aquele a quem os poderes são atribuídos designa-se por procurador, que assim fica legitimado para praticar atos jurídicos em nome do representado, os quais irão produzir efeitos na esfera jurídica do representado.

REVOGÁVEL

Na esmagadora parte dos casos, a procuração é emitida no exclusivo interesse do representado, sendo por esse motivo livremente revogável, mesmo que se tenha comprometido a não o fazer ou tenha renunciado a esse direito.

IRREVOGÁVEL

Mas já será irrevogável, i.e. que não se pode anular, definitiva, se tiver sido conferida no interesse do procurador ou de terceiros, ficando o representado impossibilitado de revogar ou anular livremente a procuração, a menos que obtenha aquiescência do interessado.

De notar que a morte ou interdição do mandante (dominus) não faz caducar o mandato quando tenha sido conferido no interesse do mandatário ou de terceiros, continuando a ter efeitos post mortem. Começaram em vida do representado e sobrevivem à sua morte.

Esta procuração é obrigatoriamente registada num cartório notarial.

VENDA OU DOAÇÃO DE IMÓVEIS

Na procuração irrevogável com poderes para alienar imóveis - que é a mais usual - o procurador fica com poderes sobre o ou os imóveis, em tudo idênticos aos do proprietário: uso, fruição e disposição, com a faculdade de fazer negócios consigo mesmo.

Ao receber os poderes da procuração irrevogável, o procurador fica senhor do imóvel, tal e qual como se o tivesse comprado.

Em muitos casos trata-se de uma venda encapotada e noutros está subjacente uma doação.

Nestes casos, tal como diz o povo, “quem se deserda antes que morra, merece uma cachaporra”.

Na realidade há filhos que não merecem os pais que têm. Fazem partilhas em vida e uma vez despojados de todos os bens materiais, na velhice, quando abandonados pelos filhos ou outros a quem beneficiaram, às vezes prejudicando até os legítimos herdeiros, ficam à mercê da caridade alheia.

FUGA AOS IMPOSTOS

No caso da venda disfarçada, pode tratar-se de uma tentativa de fuga aos impostos.

A procuração irrevogável não é útil para atingir nenhum fim do representado, pois este previamente já atingiu todos os fins que se propunha (venda ou doação). No caso de ser promitente vendedor, já recebeu a totalidade do preço e tem ao seu dispor uma garantia bancária que cobre as responsabilidades para com terceiros (p.ex.: o Estado) e apenas o procurador tem interesse na vigência da procuração.

IMT

O Código do Imposto Municipal sobre as Transações onerosas de imóveis (IMT) equipara a emissão de uma procuração irrevogável ou o seu substabelecimento a terceiro, a uma transmissão onerosa, impondo que aquando do registo notarial, o procurador ou o substabelecido faça prova do pagamento do IMT respectivo, devendo ser indicado o preço estipulado e o Valor Patrimonial Tributário (VPT) do imóvel, incidindo a taxa do IMT sobre o maior desses valores. Com efeito, a alínea c) do artigo 2.º do Código do IMT faz incidir o IMT na situação de “Outorga de procuração que confira poderes de alienação de bem imóvel ou de partes sociais a que se refere a alínea d) do n.º 2 em que, por renúncia ao direito de revogação ou cláusula de natureza semelhante, o representado deixe de poder revogar a procuração”.

NOTÁRIO

A intervenção do notário visa, por um lado, proporcionar ponderação ao representado e por outro, facultar à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), através do envio mensal da lista de procurações irrevogáveis que conferem poderes de alienação de imóveis, uma ferramenta de controlo e combate à fuga aos impostos.

Para ter validade, uma procuração conferida no interesse do procurador ou de terceiro terá de obrigatoriamente ser feita pelo notário. Caso contrário, será nula.

EXEMPLO PRÁTICO

O representado “A” nomeou seu procurador “B” recebendo deste 100.000 euros, que é o VPT do imóvel. Passados uns tempos “B” revende o mesmo imóvel a “C” por 180.000 euros. Caso não tivesse já sido tributado em IMT em relação aos 100.000 euros iniciais, não teria pago imposto pela aquisição a “A” e apenas “C” iria agora pagar IMT sobre o valor de aquisição.

O IMT é devido de todas as vezes que houver uma transmissão, considerando a Lei que uma procuração irrevogável para alienação de imóvel equivale a uma transmissão.

ISENÇÃO DE IMT CONCEDIDO AOS COMPRADORES PARA REVENDA

São isentas de IMT as aquisições de prédios para revenda executadas por compradores de prédios para revenda, desde que sejam revendidos, sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos.

No caso das procurações irrevogáveis não há lugar a qualquer isenção de taxas de IMT. Porém, caso o procurador pretenda adquirir o imóvel, pode sempre celebrar o contrato de compra e venda, assumindo a posição de novo proprietário, podendo vir a usufruir de benefícios fiscais. De modo a evitar que o comprador e anterior procurador seja duplamente tributado, na data da celebração da escritura, faz-se o acerto da liquidação de IMT, deduzindo ao IMT apurado pela transmissão da propriedade, o que havia sido pago aquando do registo da procuração irrevogável.

Havendo benefícios fiscais (isenção ou redução de taxas), pode dar-se o caso de haver lugar à restituição do imposto anteriormente liquidado.

COMBATE À CORRUPÇÃO

A Lei n.º 19/2008, de 21 de abril aprovou medidas de combate à corrupção e criou no âmbito do Ministério da Justiça uma base de dados de procurações, sendo de registo obrigatório as procurações irrevogáveis que contenham poderes de transferência da titularidade de imóveis.

O Decreto regulamentar n.º 3/2009, de 3 de fevereiro, adota medidas de reforço da transparência e dos meios de combate à corrupção, associados à utilização de procurações irrevogáveis para transacções imobiliárias.

O registo pode ser promovido pelo mandante, pelo mandatário ou pela entidade perante a qual foi outorgada a procuração ou reconhecidas as respectivas assinaturas, passando cada procuração a ter um código de identificação.

A Portaria n.º 696/2009, de 30 de junho, define os termos em que se pode aceder à certidão permanente do registo de procurações e inclui: tipo de procuração, data de outorga, data e hora de registo, identificação da entidade que procedeu ao registo, do mandante, do mandatário e do ou dos prédios em questão.

COMO ERA ANTERIORMENTE

Antes da obrigatoriedade de registo e consequente pagamento do IMT respetivo (o que apenas está em vigor desde 2004), podíamos comparar as procurações irrevogáveis à situação dos indivíduos que compravam um automóvel em segunda mão e jamais o registavam em seu nome… enquanto as multas e outros encargos eram pagos pelo primitivo dono !

 

Não podemos ignorar que grandes confusões já se têm criado à sombra das procurações irrevogáveis.



 

 
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