Inspeções municipais
EM SUA CASA, CADA UM É REI
Maria Afonso Foi publicado no Diário da República n.º 99/2016 (2.ª série), de 23 de maio, o Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 195/2016, de 13 de abril, referente ao processo n.º 901/13. O Município de Lisboa havia proposto procedimento cautelar contra os proprietários de um imóvel, requerendo a emissão de mandado judicial, autorizando o acesso ao prédio, por parte dos funcionários camarários, com o objetivo de fiscalização de operações urbanísticas. Os proprietários opuseram-se, invocando a inconstitucionalidade dos n.ºs 2 e 3 do artigo 95.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de dezembro. Artigo 95.º Inspeções 1.Os funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras ou as empresas privadas a que se refere o n.º 5 do artigo anterior [A Câmara Municipal pode contratar com empresas privadas habilitadas a efetuar fiscalização de obras a realização de inspeções ] podem realizar inspeções aos locais onde se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização nos termos do presente diploma, sem dependência de prévia notificação. 2.O disposto no número anterior não dispensa a obtenção de prévio mandado judicial para a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento. 3.O mandadao previsto no número anterior é concedido pelo juiz da comarca respetiva a pedido do presidente da câmara municipal e segue os termos do procediemnto cautelar comum. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença de 14 de agosto de 2013, recusou a providência requerida, por inconstitucionalidade orgânica. A norma do n.º 2 é inconstitucional, por incidir sobre matéria compreendida no âmbito da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República e pela insuficiente densificação das condições em que pode ser autorizada a entrada no domicílio das pessoas, sem o seu consentimento, sendo que tal densificação incumbe ao legislador, nos termos do artigo 34.º, n.º 2, da Lei Fundamental, pois o parlamento não autorizara o Governo a legislar em matéria de direitos, liberdades e garantias. Perante esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o TC. No seu acórdão, conclui-se que o conceito de domicílio, para efeitos de proteção constitucional, corresponde ao espaço funcionalmente utilizado como habitação humana, ou seja, aquele espaço fechado e vedado a estranhos, onde, recatadamente e livremente, se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar. O TC julgou improcedente o recurso, declarando inconstitucional a norma do RJUE, que permite a realização de inspeções ao domicílio de qualquer pessoa, sem o seu consentimento. A lei que autorizou o Governo a legislar e aprovar o RJUE (Lei n. 110/99, de 3 de agosto) não contém nenhuma alusão à admissibilidade de imposição de restrições ao direito à inviolabilidade do domicílio, para a realização de inspeções aos imóveis. Por tudo, concluiu o TC que a norma do RJUE que permite a realização de inspeções ao domicílio de qualquer pessoa, por funcionários camarários (ou até de empresas privadas!) ainda que sem dispensa de prévio mandado judicial, é organicamente inconstitucional.
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