Arrendamento

  A  MUDANÇA


João Anastácio

 

Após dezenas e dezenas de anos sem que a legislação sobre o arrendamento sofresse alterações significativas, foi a “troika” em 2011 que, entre outras medidas para dinamizar a economia nacional, negociou e impôs a atualização do enquadramento legal do arrendamento urbano, abrindo assim caminhos que nos aproximassem da verdadeira economia de mercado, indispensável ao progresso, também nesta área da atividade económica.

 

Absorvida que foi pelo setor a nova legislação, a resposta deste foi genericamente positiva, ultrapassadas as habituais resistências e incompreensões à mudança, uma vez que, inevitavelmente, esta teria de prejudicar alguns para benefício do bem comum.

 

Na sequência da aplicação da nova legislação do arrendamento, prevista para ser executada, numa primeira fase, ao longo de cinco anos, as rendas “antigas” de valor incrivelmente baixo, sofreram imediatamente um pequeno ajuste, que foi o suficiente para que fossem devolvidos ao mercado inúmeros andares, na realidade não utilizados, mas que valia a pena ao inquilino manter arrendados dada a exiguidade do encargo que tal representava.

 

Garantia ainda esta nova legislação que, findo o prazo de cinco anos, haveria lugar a novo aumento de renda, assumindo o Estado o pagamento do eventual diferencial entre a renda justa e aquela que o inquilino pudesse pagar, em função dos seus rendimentos; isto é, o Estado passaria a exercer a função assistencial que lhe compete, até aí desempenhada, involuntariamente, pelos senhorios, com grave prejuízo para a economia no seu todo, bem visível na crescente decrepitude do edificado.

 

Para os novos Contratos de Arrendamento entrou-se na normalidade, de os celebrar por prazo definido, eventualmente renovável, por período acordado entre as partes, mas sempre com caráter resolúvel por qualquer dos intervenientes, nos termos definidos no Contrato e em conformidade com o quadro legal.

 

ALTERAÇÃO RADICAL

 DO PRAZO

Os proprietários acreditaram na Lei e rapidamente começou a concretizar-se o investimento na manutenção dos edifícios decrépitos, na reabilitação de andares degradados etc. e, lentamente, foi-se verificando uma aproximação a um mercado equilibrado entre a procura e a oferta para arrendamento.

 

Passados os cinco anos previstos para a primeira fase de aplicação do N.R.A.U. – Novo Regime de Arrendamento Urbano, o Estado veio alterar radicalmente o prazo para a entrada em vigor da segunda fase, a da correção das rendas antigas com o apoio do Estado aos inquilinos carentes, assim defraudando as expectativas criadas junto dos proprietários, alterando as regras na base das quais muitos investimentos tinham sido planeados ou mesmo concretizados.

Foi um golpe sério na indispensável Confiança que tem de existir entre o Estado e os investidores. Infelizmente a este seguiram-se muitos mais.

 

Na dinâmica da economia nacional verificou-se entretanto nova mudança que influenciou seriamente o equilíbrio do mercado do arrendamento. Tratou-se do aumento exponencial no número de turistas de todos os tipos que “invadiram” o nosso País como resultado, entre outros motivos, do encerramento de muitos locais turísticos no Norte de África, consequência dos tumultos e insegurança relacionados com os acontecimentos da chamada “Primavera Árabe”.

 

APENAS UMA CAMA

PARA DORMIR

Para reagir aos desafios deste fenómeno, a iniciativa privada respondeu rapidamente com a construção de hotéis que surgiram às dezenas por toda a parte, mas principalmente em Lisboa e Porto, fenómeno de construção que ainda não terminou. Todavia, outra mudança dos tempos, a nova invasão turística incluía, para além do cliente de hotel, uma população que procurava apenas “uma cama para dormir”. E o mercado, mais uma vez, enfrentou o desafio criando o que viria a chamar-se o Alojamento Local, dinamizado pela novidade das chamadas plataformas, tipo “airbnb”.

 

A criação do Alojamento Local implicou investimento na reabilitação e adaptação de andares às características deste mercado, aquisição de prédios decrépitos e sua recuperação, recrutamento e treino de pessoal etc., num investimento responsável. É evidente que o aparecimento do A.L. retirou casas ao arrendamento tradicional, provocando uma escassez na oferta com o inevitável aumento de rendas.

 

Qual a razão porém para, quando o inesperado aumento da procura turística surgiu, se terem construído rapidamente novos hotéis, que continuam a ser inaugurados todas as semanas, e a construção de novos apartamentos para arrendar, não apareceu? A razão é simples: investidores que comprem andares ou prédios para arrendar não existem e desapareceram porque perderam a CONFIANÇA na estabilidade da legislação do arrendamento. Um investimento “na pedra” é feito a muito longo prazo, e só será concretizado se existir uma expectativa mínima de estabilidade nas regras que regulam o arrendamento.

 

“ATENTADOS” À LEI

Em todo este processo de adaptação da figura do arrendamento às novas realidades, os Governos, sistematicamente não mantêm fixas as Leis que profusamente publicam, alterando com grande frequência o respetivo articulado, até com efeitos retroativos. Os exemplos são inúmeros e constantes; só a título de exemplo refiro um dos últimos “atentados” à Lei:

 

 - Um contrato de arrendamento refere obrigatoriamente o prazo pelo qual é celebrado e, se for caso disso, qual o prazo de eventuais renovações, que nunca poderiam ser inferiores a um ano. Pois bem, uma alteração recente, impõe que o prazo de renovação do contrato, independentemente do que neste estiver exarado e que representa a vontade das partes, não poderá ser inferior a três anos. Esta regra aplica-se mesmo a contratos já em vigor, quando da sua renovação.

Face a situações destas, que são recorrentes, ninguém pode ter confiança para arriscar o seu capital num investimento de longo prazo.  E assim, não surgem novas casas para arrendamento.

 

Nestas circunstâncias que tem feito o Governo? Medidas avulsas, algumas acertadas e outras com falta de sentido da realidade.

 

Uma das medidas válidas é a de oferecer para arrendamento os inúmeros prédios devolutos de que o Estado e as Autarquias dispõem, alguns nos melhores locais das cidades onde a pressão sobre as rendas mais se faz sentir.

 

Esta é uma medida que realmente aumenta o parque disponível para arrendamento. Será que se vai desenvolver em tempo útil? De boas intenções….

 

Uma segunda medida acertada é da redução escalonada da taxa de IRS em função dos prazos de duração dos contratos, proposta que alicia os senhorios a ponderar a seleção dos futuros inquilinos em função do prazo pelo qual estes se propõem arrendar o fogo, conjugando-o com o seu próprio interesse e procurando encontrar o prazo mais longo possível que agrade a ambas as partes.

 

Face à experiência passada fica, porém, sempre a questão: durante quanto tempo vai o Estado manter este benefício fiscal? E em que condições virá a ser suprimido, quando for caso disso?

 

As restantes medidas que estão a entrar em vigor, Renda Acessível e Renda Segura, são esquemas para facilitar o acesso ao arrendamento a camadas da população que, dado o valor que as rendas atingiram, o não podem fazer naturalmente. Assim, o Estado subsidia esse acesso mediante processos mais ou menos burilados, mas não se verifica, como resultado destas medidas, qualquer aumento de habitações livres para arrendar e sim, apenas, uma alteração do tipo de inquilinos, agora selecionados em função do seu rendimento.

Não é solução de futuro.

 

Todas estas medidas pecam por não se enquadrarem num plano estratégico orientado para responder ao cerne do problema: aumentar o parque habitacional disponível para arrendamento.

 

COMBATER A LIBERDADE QUE A PROPRIEDADE PERMITE

O atual Ministro da Habitação, em cinco de fevereiro, conforme citado na “Vida Imobiliária”, falando durante a cerimónia de assinatura com o IHRU de vários protocolos no contexto da gestão do Programa de Arrendamento Acessível, declarou que “o problema da falta de habitação no país é culpa do Estado”.

 

Não podemos estar mais de acordo.

 

 Qual foi a reação do Estado a todas as mudanças que se verificaram no arrendamento e a que atrás nos referimos? Nunca pela positiva, sempre pela negativa, como consequência de fanatismo ideológico contra a iniciativa privada que, obviamente, só atua quando prevê ter um retorno ao seu investimento, o que se torna inaceitável pelos que combatem a liberdade que a propriedade permite.

 

O Estado perdeu assim a confiança dos investidores na área do arrendamento, a qual tem de ser reconquistada. Só a iniciativa privada tem a flexibilidade e a dinâmica para se adaptar em tempo útil às mudanças. Neste caso, do mercado do arrendamento.

 

Que fazer?

 

Apenas a iniciativa privada pode responder rapidamente (vide o exemplo dos hotéis) à atual carência de habitações para arrendar. Sucede que, dadas as múltiplas medidas tomadas há décadas, pelos sucessivos Governos, de todos conhecidas, e de que só dou como exemplo os congelamentos de rendas, nomeadamente em períodos de inflação galopante e as atribuições aos senhorios de uma função de apoio aos mais desfavorecidos que é da clara responsabilidade do Estado levaram ao desinteresse neste tipo de investimento.

 

A solução encontra-se, portanto, em dinamizar o mercado do “comprar para arrendar”, tornando-o atrativo como forma de aplicação de poupanças.

 

 

Pretende-se apenas que exista um enquadramento legal que renove a confiança na Lei, definindo regras transparentes e duradouras para o arrendamento, que se enquadrem numa estratégia de longo prazo e que liberte os investidores da ameaça de terem de desempenhar uma função social que não lhes compete.

 

                                                                  FIM

    

 

  
 
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