Lembrar o Arrendamento

 

João Anastácio

1-Set-2011

 

Já não oferece qualquer contestação a indispensabilidade de alterar as leis que regem o Arrendamento.

 

Depois de dezenas de anos em que os senhorios alertaram, sistematicamente, para o crime de lesa património que resultava, inevitavelmente, da aplicação da legislação existente, a evidência das consequências é irrecusável: não existe mercado activo de arrendamento, os prédios de "rendimento" estão degradados e não se entrevê qualquer interesse dos investidores nesta área essencial, até para manter viva a indústria da construção.

 

Estas verdades foram rapidamente detectadas pela "Troika" e no Memorando de Entendimento com o Estado português ficou desde logo bem clara a necessidade de regularizar o mercado de arrendamento como uma das condições sine qua non para o saneamento da economia nacional.

 

As acções preconizadas, a concretizar no 3º/4º trimestre do ano corrente, devem incidir, principalmente, no acelerar do processo de despejos, no caso de inquilinos incumpridores por não pagamento da renda, apontando para um prazo de execução daquele não superior a três meses, e na actualização das rendas congeladas.

 

Estamos no meio do 3º trimestre de 2011 e a questão da revisão do arrendamento não tem sido referida. É verdade que toda uma série de outros ajustamentos previstos no Memorando se têm vindo a verificar e portanto não consideramos que a acção prevista sobre o arrendamento esteja atrasada, mas convém lembrar em permanência a urgência da sua concretização.

 

Apenas para, mais uma vez, recordar o enviesamento em que se encontra o mercado de arrendamento, passo a expor um caso concreto que me parece uma boa amostra de tantos milhares de outros que levaram o nosso património habitacional ao estado em que se encontra.

 

Em 1960 um casal com três filhos decidiu aplicar as suas poupanças naquilo que pensavam ser o investimento que melhor podia garantir a sua segurança futura e a dos seus filhos: adquiriram um prédio novo, com três andares, na Amadora, e arrendaram os andares, naturalmente ao preço corrente do mercado de então. No caso do rés-do-chão, por 600$00 mensais.

 

Os anos passaram, o casal morreu e os três filhos herdaram, cada um seu andar. As rendas tinham tido a evolução conhecida e assim dois dos filhos decidiram vender os seus andares aos inquilinos. A transacção concretizou-se por cerca de um terço do valor real, caso os andares estivessem desocupados.

 

Um dos irmãos decidiu continuar na posse do rés-do-chão que herdara. A inquilina era a viúva do casal que inicialmente o arrendara e sempre tinham sido bons inquilinos, sem quaisquer conflitos.

 

A situação actual é a seguinte:

 

  • A inquilina tem 88 anos
  • O valor inicial da renda mensal de 600$00, em 1960, evoluiu para€38,00 actualmente. Não esquecer que a este valor bruto há que descontar as despesas do Condomínio, o Seguro de incêndio e o IMI (ainda desactualizado). No final, o valor líquido da renda, é ainda declarado para efeito de IRS. 
  • Se se aplicasse simplesmente o índice de inflação acumulado desde 1960, o valor da renda que corresponderia aos 600$00 iniciais seria de €200,00.
  • O andar, se desocupado, e após pequenas obras de limpeza e reparação, vale, no mercado, entre 400 e 500 euros mensais.
  • Tendo o prédio a idade de mais de 50 anos, necessita de obras de manutenção. A reparação do telhado, reduzida ao mínimo essencial para que não chova dentro do prédio, está orçamentada, incluindo 23% de IVA, em €800,00 por andar.

Sobre a manutenção das fachadas é melhor não falar... mas é sempre possível que, em reunião de Condomínio, onde o senhorio é minoritário (um em três andares), os restantes condóminos venham a impor esta manutenção, que aliás se reconhece como necessária.

 

Mais palavras para quê? Trata-se de um arrendamento português antigo...

 

Será que alguém, no seu pleno juízo, vai investir na construção para rendimento enquanto estas condições persistirem? É verdade que as regras para os contratos de arrendamento habitacionais posteriores a 1990 são diferentes mas, por uma questão de igualdade ou outra razão qualquer que se invente, não poderão regredir?

 

Onde está a transmissão da indispensável confiança exigida para o investimento de longo prazo inerente ao imobiliário?

  

 

  
 
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