Habitação Social

 

Artur Soares Alves

12-Set-2013

 

 

 

Em 1974 havia uma marcada falta de habitação a preços módicos, facto que se revelava nos bairros da lata, logo à entrada de Lisboa. Numa das várias manifestações de reflexos condicionados dos deputados, a Constituição de 1976 traz inscrito o direito à habitação e um programa de construção de habitação económica. Artigo 65.º:

 

2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:

a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de reordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;

 

Era o espírito da época, para além dos citados reflexos condicionados. Dominava a presunção de que o mercado era incapaz de oferecer habitação a baixo custo. Ideia que estava em acordo com o caminho para o socialismo e para uma sociedade sem classes ou, melhor dito, uma sociedade sem nenhuma classe. Afinal, mesmo mercado que põe comida e computadores na mesa seria incapaz de fornecer um teto. É sobre estas ideias e as suas consequências que se debruça este artigo.

 

É verdade que em 1974 a habitação decente não estava ao alcance de toda a gente. Uns por carência económica, outros por terem comportamentos disfuncionais. Em todo o caso não deixa de ser estranho que no imobiliário os preços não se ajustem à procura, isto é, aos salários. O certo é que se ajustam noutros setores da economia.

 

Forçosamente há aqui um mistério. Porém, em vez de procurar deslindar esse mistério os poderes públicos começaram um programa de construção em massa de habitação social. Com custo que ainda hoje pesam na economia pública e com injustiças. É certo que hoje é assunto do passado mas convém mesmo assim estudá-lo nem que seja para se compreender como se chegou ao ponto em que estamos. Todos os atos políticos que vão contra o senso comum têm custos para o coletivo.

 

Injustiça social

 

Os processos de natureza “social” comportam geralmente muitas injustiças. No caso vertente forneceu-se habitação a baixíssimo custo para certas famílias, enquanto se forçava outras, apenas por terem algum rendimento, a comprar a sua habitação.

 

Esta injustiça compõe-se com outra: as famílias beneficiadas não somente gozam de uma renda baixa como ainda têm a vantagem da localização. É assim que uns vão a baixo custo para os Olivais, outros pagam a casa por inteiro e vão para Cacém. Pequenas diferenças de rendimento podem dar resultados tão díspares.

 

O Estado promotor imobiliário

 

Passemos a outro aspeto da questão — o Estado como dono-de-obra e promotor imobiliário. Será fácil de compreender como deixado o assunto à iniciativa privada, ainda que as rendas pudessem ser apoiadas, o processo teria sido mais barato e seguramente mais limpo. O que está em causa é a necessidade de habitação barata. A priori não há motivo para que o investidor privado não coloque as suas poupanças neste segmento da economia, com incidência no arrendamento. Se o investimento for pequeno a renda será pequena e o Estado poderia subsidiar as rendas dos desfavorecidos.

 

O que custa um no privado custa quatro no Estado, eis a primeira razão para deixar o mais importante do assunto para os privados. A isto acrescentam-se razões morais. E há muitas destas razões para se preferir uma relação comercial entre partes legalmente iguais, a uma relação de caridade. Mesmo com subsídio é diferente viver na casa que paga do que habitar por esmola.

 

Uma relação comercial evita a formação de guetos. Em vez do bairro em que as famílias habitam por esmola e com situações sociais uniformes, teríamos um empreendimento em que as casas são baratas e onde vivem pessoas de diferentes níveis de rendimento, em particular as tais que a política remeteu para o Cacém ou para a margem Sul. O processo de integração dos socialmente mais frágeis dá aqui um primeiro passo.

 

Ninguém nasce ensinado. As boas práticas de comportamento social aprendem-se pelo contacto com os outros e só é antissocial quem pode, quem não sofre consequências pelo seu mau comportamento. O aluno mais baderneiro é um cordeirinho diante do todo-poderoso porteiro da discoteca. As pessoas corrigem o seu comportamento quando sentem rejeição social.

 

Numa casa arrendada e na vizinhança de pessoas socialmente ajustadas o potencial baderneiro sabe que corre risco de despejo por mau comportamento. O senhorio não é o Estado, o mau inquilino não tem direitos senão aqueles que estão no contrato. O senhorio é-lhe juridicamente igual, em contrapartida, também não exerce sobre ele os poderes discricionários investidos num funcionário municipal. No arrendamento privado há uma dignidade própria de quem paga o bem que usa.

 

Obviamente que há dificuldades em trazer investidores para este segmento do imobiliário. Certas famílias, nem o demónio as quer para inquilinas. Porém, isto é tão-somente a natural consequência da tolerância excessiva em relação aos comportamentos antissociais e que começa precisamente na escola. Tem sido uma política do Estado, assente na doutrina falida segundo a qual certas classes sociais são de tal modo moralmente baixas que não se lhes deve aplicar as regras normais de convivência. É nesta presunção errada que se radica a exclusão — em vez de oportunidades de mobilidade social confinam-se certas classes à situação em que nasceram.

 

E com isso estimula-se a preguiça de pessoas aptas para o trabalho. Agora a sério, um País que se deixa governar por tais doutrinas não merece falir?

 

 

FIM

 

 

  
 
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