LIÇÕES DA PANDEMIA

 


Artur Soares Alves

Diretor da ANP

 

Desde os princípios de 2020 que o Mundo vive sob o terror da pandemia, cujo fim não está à vista. Os governos mundiais estão de cabeça perdida, dizendo tudo e o seu contrário, e a sua credibilidade não se pode dizer que seja famosa. Por outro lado, os comentadores políticos estão de cavalo, a falar de Rt, de exponencial, de modelos, como se soubessem sequer o que estão a dizer. A oportunidade também não é menor para obscuros professores de Matemática que peroram com autoridade sobre estes mesmos assuntos, fazem previsões e dão conselhos aos governantes. Vêm à memória dois versos do poeta O’Neil: “Na leitaria, o reformado / Perora e é respeitado!”.

 

Fora destas luzes da ribalta, por detrás do cenário há a face oculta das empresas a falir, dos desempregados, dos idosos mortos de pura tristeza, dos jovens fechados em casa e cuja única janela sobre o mundo é o veneno mental das “redes sociais”. Porém, quando os efeitos vierem a sentir-se já os governantes estarão, ou aposentados, ou a auferir empregos devidamente remunerados. Entretanto, parece que há uma bazuca que nos vai compensar dos prejuízos sofridos, embora o plano de resiliência esteja mais interessado em alinhar com os 6 pilares relevantes da política da EU, e em contribuir para as iniciativas emblemáticas da União, em integrar a perspetiva de género, a transição climática, a transição digital, e por aí fora; vd. O Plano de Recuperação e Resiliência. E quanto à pastelaria que há 5 meses é incapaz de pagar a renda, terá ela direito a uma esmola ou não é emblemática? O pastel de nata será digital? E qual é o género do bolo-de-arroz?

 

É a realidade, e Deus nos livre da tentação de querer mudá-la. O que o cidadão pode fazer é instruir-se para se livrar dos barretes que a comunicação social nos enfia em série. A questão que a pandemia trouxe ao de cima, embora cuidadosamente ocultada, é a poupança. Qualquer que seja a forma que ela assuma, a poupança é a única maneira de lidar com as incertezas da vida.

 

ESMOLAS E BAZUCAS

Vamos supor que as famílias portuguesas de uma certa idade têm, como poupança, dois anos dos seus rendimentos. Os efeitos económicos destrutivos do confinamento não se fazem sentir porque o consumo das famílias é sustentado por essa poupança, constituída precisamente para prover aos dias ruins. Esta é a verdadeira resiliência, aquela que assenta nos cuidados de cada cidadão e que dispensa bazucas que, para além de destruírem tanques e fortificações, também destroem dignidades. Na maré de citar poetas, recorda-se o velho cantor sertanejo Luiz Gonzaga: “(…) uma esmola para um homem que é são / Ou o mata de vergonha ou vicia o cidadão.

 

Haverá aqueles que estão desejosos por ceder a sua dignidade contra uma boa maquia de resiliência. Para estes, uma pandemia todos os anos era o que vinha a calhar.

 

É verdade que uma poupança de dois anos não será um volumoso maço de notas guardado num colchão, num cofre ou num depósito à ordem. Para ser verdadeiramente produtiva, uma poupança há de estar aplicada nalgum bem produtivo, seja a casa própria, um empréstimo a uma empresa por intermédio do banco, ou o investimento numa casa para arrendar e assim oferecer à população este bem indispensável.  Portanto, em líquido, a família terá dinheiro para dois meses; em contrapartida, tem a garantia para obter um empréstimo bancário, sem risco e a um juro baixo.

 

Quanto às empresas, não se espera que estas tenham reservas líquidas para além do indispensável. O normal é as empresas terem dívidas motivadas por investimentos que aumentam a capacidade produtiva e embaratecem os produtos. É claro que a pandemia (ou um terramoto) faz baixar o consumo e pode levar empresas à falência por falta de liquidez, mesmo em condições de lay-off. Neste caso, pode o banco central recorrer a uma dessas artimanhas, das que fazem aparecer dinheiro mesmo que não haja produção de bens vendáveis. Quando a pandemia se for embora este excesso de dinheiro é calmamente retirado de circulação.

 

O leitor já viu que estamos no domínio do sonho. Os economistas modernos aprenderam com Keynes que o aforrador é um vilão que merece ser corrido à pedrada para fora dos limites da cidade dos homens bons. Para Keynes, “um ato de poupança individual significa — uma decisão de não jantar hoje”, enquanto os mais rústicos pensam que um ato de poupança é a decisão de comer um bife no restaurante do bairro, em vez de uma lagosta no Gambrinus.

 

Como o que é doce nunca amargou, e como o ato de poupar sabe a remédio, a opinião pública vai toda no sentido de consumir o rendimento disponível e, melhor ainda, fazer algumas dívidas a um juro de 12% ou mais. Assim, as lojas despacham o último modelo de telemóvel, enquanto não chega o novíssimo que está em desenvolvimento no laboratório do fabricante. Naturalmente, os governos dependentes das boas graças da opinião pública, aceleram o consumismo, mesmo porque o IVA é um imposto rendoso e o cidadão necessitado é um dependente. Além disso, as catedrais do consumo são edifícios vistosos, com luzes brilhantes, suscitando um otimismo que faz esquecer as agruras da vida. Em contrapartida, as áreas industriais onde se produz riqueza real são locais inóspitos. E o que é doce…

 

Deste modo, os governos, não somente não estimulam a poupança, como até tomam medidas (por exemplo fiscais) para dissuadir de poupar. É verdade que um grande político — que da Nação supremo magistrado foi — lamentou o baixo nível de poupança dos Portugueses. Ao mesmo tempo defendia o imposto sucessório, isto é, queria que as famílias poupassem para o Estado vir tirar a quota no momento da herança. Por vezes fica-se incrédulo diante de contradições tão evidentes.

 

 

Em todo o caso, diante da adversidade, nem as artimanhas dos bancos centrais, nem as bazucas, têm a solidez de um processo coletivo de poupança. O cidadão que não tiver entendimento para o compreender, hipoteca o futuro por sua conta e risco.

 

                                                                  FIM

    

 

  
 
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